Em dias nos quais a realidade técnica está ligada diretamente à produção material (e por que não dizer capital), o debate que se estabelece de maneira desigual faz lembrar o eterno desequilíbrio entre o forte e o fraco. A lógica de mercado que transformou cultura e saber em produto se estende à percepção social, causando deformações de diversos graus, onde, grosso modo, imperam os interesses privados aos públicos, delimitando alcances e benefícios técnicos a uma pequena parcela da humanidade.
O monopólio da técnica, do conhecimento, da arte e cultura, sempre dividiu em castas a sociedade humana. O controle técnico e científico infelizmente ainda não conseguiu inserir o ético que se torna fluído e tênue ao decorrer da construção histórica de um sistema que privilegia uma minoria de pretensos senhores do saber, dividindo a sociedade basicamente em pobres e ricos, em possuidores e despossuídos ou consumidores e não consumidores.
“O isolamento fundamenta a técnica; reciprocamente o processo técnico isola”, esta frase atribuída a Guy Debord em “A Sociedade do espetáculo”, bem poderia resumir em aforismo a realidade das políticas e legislações de patentes vigentes atualmente. Ao se patentear hoje, pela lei, pretende-se a garantia de uma exploração econômica monopolizando o processo de inovação daí decorrente, com vistas à criação de uma mercadoria, produto a ser capitalizado em detrimento de um horizonte de possibilidades que poderiam ser alcançadas através da contribuição ou soma de esforços e iniciativas variadas, dentro do corpo social. Assim o pretenso direito legítimo a exclusividade gera a exclusão, ou apartação de um sem número de possibilidades, que poderiam ser alcançadas se a lei contemplasse o bem maior, social, em detrimento de interesses financeiros, comerciais ou individuais. Segundo Theodor Adorno, o meio no qual a técnica atinge tamanho poder perante a sociedade, faz da técnica uma encarnação do poder dos economicamente mais fortes sobre o restante do corpo social, ou seja, “A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação”.
Exemplo claro de quão acirrado pode ser o debate sobre direitos autorais, podemos citar o caso em que se viu envolvido o Governo brasileiro, quando do ano de 2001 o então Ministro da Saúde José Serra determinou a quebra da patente de medicamentos destinados ao tratamento de doentes de AIDS. A imprensa mundial por diversas se colocou em defesa dos grandes laboratórios e contra a atitude do então ministro, e principalmente contra o efeito cascata que daí poderia decorrer. Fato interessante que ilustra a natureza do debate onde, neste ato de governo, segundo Cristovam Buarque, “a ética foi colocada acima dos interesses e das leis comerciais”.
Infelizmente em outros setores o Brasil tende a tomar iniciativas que contradizem o bom senso e a realidade atual. A extensão do prazo de proteção dos direitos autorais para 70 anos após a morte do suposto autor é exemplo negativo de como vaidades e interesses individuais podem privar por gerações o espaço público do aproveitamento de nosso capital cultural e somar iniciativas em prol da construção de um novo saber.
Pierre Lévy em “A inteligência coletiva” repensando os mecanismos de construção cultural anseia justamente o contrário da iniciativa jurídica brasileira. Para este autor, a velocidade e as maravilhas alcançadas pelo meio técnico deveriam suscitar há uma construção mais democrática do que este chama de “saber coletivo”, fazendo retroceder a linha da individualidade de autoria para uma relação de co-autoria com o coletivo, com a sociedade, de modo a alcançar maior democracia na produção e distribuição cultural-técnico-científica.
Está claro, a velocidade do mundo globalizado rompe barreiras não naturais criadas e legitimadas em leis que não contemplam a realidade e principalmente as necessidades sociais. A lei de patentes hoje estimula mais que previne a pirataria, causando deformações tais quais as patentes tidas como legítimas firmadas sobre a criminosa prática da biopirataria, da qual o Brasil é constante vítima.
Este debate propicia a tentativa de encontrar meios de equilibrar as necessidades técnicas e o bem estar público. Talvez resida em uma nova perspectiva o caminho para uma flexibilização dos direitos autorais, que já parecem estagnados ou fadados a se tornarem letra morta por não se condicionarem ao interesse público e por não disporem de um poder de controle ou fiscalização eficiente, que garanta defesa mínima ao meio técnico para se recriar. As leis devem ser reflexo dos anseios da sociedade. O aumento ou diminuição de prazos de proteção devem ser vistos de maneira pragmática de modo a atender as necessidades particulares de cada país, região ou povo, respeitando o estágio histórico em que cada um se encontra, e não legitimar laços de dominação econômica ou de neo-colonialismo científico-cultural. O debate público ou a participação popular deve prevalecer na construção de uma nova relação entre produção de conhecimento, criação cultural e, principalmente, difusão dos possíveis benefícios destes.
Com maior participação democrática em âmbito global, na construção de saberes e troca de conhecimento e experiências, talvez possamos substituir o atual modelo protecionista, que prioriza a marca, os conglomerados, o capital ou a individualidade por uma mais saudável relação social, mais igualitária, democrática e na qual as leis possam enfim contemplar o interesse público e privilegiar o ético sobre o econômico.Por Alexandre de Medeiros.
O monopólio da técnica, do conhecimento, da arte e cultura, sempre dividiu em castas a sociedade humana. O controle técnico e científico infelizmente ainda não conseguiu inserir o ético que se torna fluído e tênue ao decorrer da construção histórica de um sistema que privilegia uma minoria de pretensos senhores do saber, dividindo a sociedade basicamente em pobres e ricos, em possuidores e despossuídos ou consumidores e não consumidores.
“O isolamento fundamenta a técnica; reciprocamente o processo técnico isola”, esta frase atribuída a Guy Debord em “A Sociedade do espetáculo”, bem poderia resumir em aforismo a realidade das políticas e legislações de patentes vigentes atualmente. Ao se patentear hoje, pela lei, pretende-se a garantia de uma exploração econômica monopolizando o processo de inovação daí decorrente, com vistas à criação de uma mercadoria, produto a ser capitalizado em detrimento de um horizonte de possibilidades que poderiam ser alcançadas através da contribuição ou soma de esforços e iniciativas variadas, dentro do corpo social. Assim o pretenso direito legítimo a exclusividade gera a exclusão, ou apartação de um sem número de possibilidades, que poderiam ser alcançadas se a lei contemplasse o bem maior, social, em detrimento de interesses financeiros, comerciais ou individuais. Segundo Theodor Adorno, o meio no qual a técnica atinge tamanho poder perante a sociedade, faz da técnica uma encarnação do poder dos economicamente mais fortes sobre o restante do corpo social, ou seja, “A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação”.
Exemplo claro de quão acirrado pode ser o debate sobre direitos autorais, podemos citar o caso em que se viu envolvido o Governo brasileiro, quando do ano de 2001 o então Ministro da Saúde José Serra determinou a quebra da patente de medicamentos destinados ao tratamento de doentes de AIDS. A imprensa mundial por diversas se colocou em defesa dos grandes laboratórios e contra a atitude do então ministro, e principalmente contra o efeito cascata que daí poderia decorrer. Fato interessante que ilustra a natureza do debate onde, neste ato de governo, segundo Cristovam Buarque, “a ética foi colocada acima dos interesses e das leis comerciais”.
Infelizmente em outros setores o Brasil tende a tomar iniciativas que contradizem o bom senso e a realidade atual. A extensão do prazo de proteção dos direitos autorais para 70 anos após a morte do suposto autor é exemplo negativo de como vaidades e interesses individuais podem privar por gerações o espaço público do aproveitamento de nosso capital cultural e somar iniciativas em prol da construção de um novo saber.
Pierre Lévy em “A inteligência coletiva” repensando os mecanismos de construção cultural anseia justamente o contrário da iniciativa jurídica brasileira. Para este autor, a velocidade e as maravilhas alcançadas pelo meio técnico deveriam suscitar há uma construção mais democrática do que este chama de “saber coletivo”, fazendo retroceder a linha da individualidade de autoria para uma relação de co-autoria com o coletivo, com a sociedade, de modo a alcançar maior democracia na produção e distribuição cultural-técnico-científica.
Está claro, a velocidade do mundo globalizado rompe barreiras não naturais criadas e legitimadas em leis que não contemplam a realidade e principalmente as necessidades sociais. A lei de patentes hoje estimula mais que previne a pirataria, causando deformações tais quais as patentes tidas como legítimas firmadas sobre a criminosa prática da biopirataria, da qual o Brasil é constante vítima.
Este debate propicia a tentativa de encontrar meios de equilibrar as necessidades técnicas e o bem estar público. Talvez resida em uma nova perspectiva o caminho para uma flexibilização dos direitos autorais, que já parecem estagnados ou fadados a se tornarem letra morta por não se condicionarem ao interesse público e por não disporem de um poder de controle ou fiscalização eficiente, que garanta defesa mínima ao meio técnico para se recriar. As leis devem ser reflexo dos anseios da sociedade. O aumento ou diminuição de prazos de proteção devem ser vistos de maneira pragmática de modo a atender as necessidades particulares de cada país, região ou povo, respeitando o estágio histórico em que cada um se encontra, e não legitimar laços de dominação econômica ou de neo-colonialismo científico-cultural. O debate público ou a participação popular deve prevalecer na construção de uma nova relação entre produção de conhecimento, criação cultural e, principalmente, difusão dos possíveis benefícios destes.
Com maior participação democrática em âmbito global, na construção de saberes e troca de conhecimento e experiências, talvez possamos substituir o atual modelo protecionista, que prioriza a marca, os conglomerados, o capital ou a individualidade por uma mais saudável relação social, mais igualitária, democrática e na qual as leis possam enfim contemplar o interesse público e privilegiar o ético sobre o econômico.Por Alexandre de Medeiros.
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