Não sei de onde tiraram este
provérbio insignificante e descabido. Como uma praga, que se espalha
rapidamente, vez ou outra escuto pessoas dizerem-no num tom de verdade que
chega a me espantar. “Cada um tem o que merece”, no país onde vivo, é sinônimo
de afronta ao cidadão, pura zombaria. Em terras onde a injustiça prevalece, certamente
as pessoas têm o que não merecem.
Em linhas gerais, justiça é “a
virtude de dar a cada um aquilo que é seu”. Dar aquilo que é seu é algo que não
acontece, por aqui, na terra Brasilis. Isso
salta as nossas vistas quando analisamos três áreas básicas para nossa formação
é desenvolvimento: saúde, segurança e educação.
Certamente, os cidadãos
brasileiros não merecem ficar 24h em hospital público para não conseguir uma
consulta e, assim, ter de pagar um plano de saúde para compensar aquilo que já
se paga. O cidadão não merece a falta de segurança pública, os crimes bárbaros,
as dilacerações a que são submetidos todos os dias e, dessa forma, ficar preso
em casas e condomínios, aos olhares de seguranças particulares, enquanto os
criminosos estão livres. O cidadão não merece uma educação pobre de conteúdo,
desestimulante, preconceituosa e ineficiente – como é o caso da que existe na
maioria das escolas públicas deste país. Quando pode, então, paga-se ao ensino
privado para se compensar a falta do que já foi pago.
Continuo. O cidadão, decerto, não
merece os políticos que o representam: senadores ganham o décimo quarto e o
décimo quinto salários, sem o devido desconto de imposto de renda. Ao serem
cobrados pela Receita Federal para devolverem o dinheiro indevido, o Sr. Sarney
(Presidente a casa) resolve que o Senado pagará a dívida. E o dinheiro,
cidadão, é o seu. Com o seu dinheiro, será pago o que se deve à Receita. Nada
sairá do bolso deles. Invente você de burlar a Receita Federal e verá o que
acontece. Aliás, você ganha 14º e 15º salários?
A pecha em dizer que “cada um tem
o que merece” é mais grave quando olhamos para desigualdade social. Nesse sentido,
portanto, se justifica dar ao pobre mais pobreza e ao rico mais riqueza, num tom da mais pura verdade. Isso é
justiça? Antes de espalhar essa balela,
olhe para o ônibus em que você está indo para o serviço: caro, lotado, fétido e
caindo aos pedaços. Será que você merece isso, cidadão? Creio que não.
Portanto, não se martirize. Quase ninguém tem o que merece.