Quem disse que religião, política e fubebol não se discutem?

No popular, houve-se muito que "religião, política e futebol" não se discute (sic). Na verdade, o dizer não incluía o termo "política", ele só foi incorporado mais tarde, pela elite e pelos próprios políticos, a fim de evitar o debate e os questionamentos político entre as pessoas. Dessa forma, sem o debate, como poderia eu estabelecer meu posicionamento e também aprender com o próximo? Debates ajudam a esclarecer, ajudam no ceticismo, no questionamento. Além do mais, não só a política, mas também a religião e o futebol são passíveis de debates, desde que ambas as pessoas estejam dispostas a não somente falar, mas, antes de mais nada, escutar e aprender. Debatamos, então, sim.







21 de nov. de 2009

O bolinho de Cristo

Foi no dia da Consciência Negra que, conversando com um amigo recém-chegado da Bahia, fiquei sabendo de mais uma iguaria da terra de todos os santos. Ele me falou que a tal iguaria se chama “Bolinho de Cristo”. Disse-me que é muito bom e que é vendido por uma Igreja Pentecostal, lá na Bahia.

Tenho a sensação de que ser negro já foi mais difícil no Brasil, hoje não é tanto porque quase todos os brasileiros são. E isso aconteceu graças a algumas políticas públicas eficientes. Estamos até mais homogêneos, creio. Ser negro virou agora obrigação, ainda mais para os estudantes: com as cotas existentes nas universidades públicas, tal declaração se tornou até rotineira. Isso porque o “jeitinho brasileiro” percebeu que, ao fazê-la, as chances de angariar uma vaga nas universidades ficam menos remotas. Ao declarar-se negro, mesmo não tendo orgulho disso, passam-se os outros candidatos para trás e a sensação que dá é de que “o mundo é dos espertos”.

Contudo, o que o “jeitinho brasileiro” não pode tirar da gente é a nossa matriz afro-descendente. Nossas histórias, nossas culturas, nossas religiões (mesmo com toda perseguição velada), nossas lutas, nosso orgulho...isso não há quem nos tire, não há jeitinho, não há choro nem vela. Tentar destruir, desqualificar, submeter a nossa história e cultura é um atentado contra toda uma nação. E é isso que uma Igreja Protestante na Bahia está tentando fazer. Explico!

O “bolinho de Cristo” é um nome dado por tal igreja em substituição ao famoso Acarajé. Isso mesmo! A igreja ressignificou o nome de uma especialidade gastronômica afro-brasileira. Custei até a acreditar em tal afronta, mas é a pura verdade. Por que a igreja fez isso, então? Vou tentar explicar.

A palavra acarajé teve sua gênese na palavra àkàrà que significa bola de fogo, Jé significa comer. No português, houve uma junção das duas palavras, que originou então “acarajé” – comer bola de fogo. Quem já experimentou a iguaria sabe o porquê. O acarajé, o principal atrativo no tabuleiro, é um bolinho característico do candomblé. Sua origem é explicada por um mito sobre a relação de Xangô com suas esposas,Oxum e Iansã. O bolinho se tornou, assim, uma oferenda a esses orixás.

É falar em oferenda que os cabelos arrepiam. As perseguições seculares contra a religiões de matrizes africanas explicam o porquê de mudar um nome de uma comida afro-brasileira. Mesmo na Bahia, lugar de maior concentração afro-descendente no Brasil, não se pode declarar professar religiões como o camdomblé. Caso a faça, as perseguições e as chacotas serão legitimadas. Por ser uma oferenda aos deuses de matriz africana, a Igreja teve a idéia, então, de mudar o nome do bolinho, e assim o eurocentrismo vai ocupando os espaços, afinal de contas o protestantismo é europeu. Para não deixar de comer o ACARAJÉ, que é muito gostoso, muda-se o nome, assim fica mais fácil.

Diante de tal fato, fica evidente a perseguição religiosa num país em que a Constituição garante a liberdade de crença e a proteção aos cultos. É aqui, onde os preconceitos são espalhados boca-a-boca, que se diz que Macumba é má porque começa com “ma”, preconceito totalmente esvaziado de significação e arragaido de maldade (aliás todos os preconceitos são esvaziados de significação e maldozos). É aqui que se diz que segunda-feira é dia de “branco”, em desfavor dos negros que também trabalham e que tiveram um papel protagonista na construção deste país e, sobretudo, na implementação de direitos desta nação. É aqui, onde as negras são chamadas de mulatas. Mulata tem matriz na palavra mula. Mula não pode procriar, ou seja, elas não constituem família por serem estéril. É nessa similaridade que se diz (por baixo) que as negras não servem para casar, para procriar e constituir família. Usa-as, então, e depois joga-as fora.

A minha consciência e o meu orgulho é de ser negro, mesmo diante dos obstáculos obscuros que se escondem atrás cara de um país supostamente democrático. E é neste dia, no dia da Consciência Negra, que me reforço de coragem.


VIVA O ACARAJÉ!

Flávio Rossi

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Ceilândia, DF, Brazil
Posso não concordar com suas palavras, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-las - Voltaire