Quem disse que religião, política e fubebol não se discutem?

No popular, houve-se muito que "religião, política e futebol" não se discute (sic). Na verdade, o dizer não incluía o termo "política", ele só foi incorporado mais tarde, pela elite e pelos próprios políticos, a fim de evitar o debate e os questionamentos político entre as pessoas. Dessa forma, sem o debate, como poderia eu estabelecer meu posicionamento e também aprender com o próximo? Debates ajudam a esclarecer, ajudam no ceticismo, no questionamento. Além do mais, não só a política, mas também a religião e o futebol são passíveis de debates, desde que ambas as pessoas estejam dispostas a não somente falar, mas, antes de mais nada, escutar e aprender. Debatamos, então, sim.







25 de jan. de 2012

Nem tudo que reluz é ouro!

Há duas semanas estou em São Paulo. Mais exatamente em Guarulhos, no centro da cidade, onde tudo é lindo e funciona muito bem. Hospedado em um hotel cinco estrelas, muito confortável, meu itinerário aqui é hotel/serviço, serviço/hotel. Cumpro minhas obrigações no Aeroporto Internacional de Cumbica; se não me engano, o maior da América Latina.Vejo de tudo todos os dias: desde as estrelas da Televisão brasileira e internacional, passando por esportistas, até pobres coitados vindos de alguns países latinos e muitos do continente africano.

Acontece que resolvi sair do meu casulo para ir ao Centro de São Paulo. Peguei a condução para o Aeroporto; de lá, um ônibus para Tatuapé. Chegando em Tatuapé, entrei no metrô e fui até a Barra Funda. Na barra funda, peguei o trem até um bairro chamado de “Lapa”. E, enfim, cheguei ao meu destino, no órgão ao qual sou lotado. No meio da periferia, logo que desci do trem, já senti uma grande diferença em relação ao lugar onde estou hospedado. Estranhei, o contraste social era imenso. Fiz o que tinha de fazer rapidamente a fim de que, na volta, não tivesse que pegar as mesmas conduções em horário de pico. Embarquei no trem sentido barra funda, para lá pegar o metrô. O veículo é velho e barulhento. Fiquei em pé. As diferenças sociais entre os passageiros do trem e do metro saltam as vistas.

Eis que entra uma jovem, eufórica, soltando os bofes pela boca diz para um rapaz que estava sentado:

- Aquele negão que quase te matou na Piqueri está no outro vagão, Nico.
-Tá mesmo? Indagava Nico, um rapaz moreno, boné fincado até os olhos, tatuagem típica de quem as fez confeccionou na cadeia; camisa, é claro, do Corinthians.
-Sim, ele está – gritava a jovem eufórica. Ele viu o Pixote. Quando “nois chegar” na outra estação, ele vai “vim” aqui. Certeza. Ele sabe que o Pixote anda contigo.
-Pixote, ele está lá? “Está”. Falava o Pixote, um rapaz ruivo, tatuagens, sem demonstrar o mínimo de preocupação. Sorriso sagaz no rosto.
-Porra, Pixote, eu não falei pra você ficar no outro lado, senão o negão vai ver o Nico? “Porra, carai”, vá pra lá. Dizia a menina.
Antes de ir para a outra ponta do vagão, para evitar de o Negão ver o Nico, Pixote interrogou:
-Nico, você está carregado aí?
-Sim, estou.
-Pô! “vamu” lá fazer esse cara então, parceiro?
-Só!
-Fica aí, não levanta pra nada, abaixe a cabeça e fica quieto. Afirmava, com tom de autoridade, a garota.


Leitores, depois dessa conversa toda, vocês já devem estar imaginando meu estado de aflição. Sim, meus olhos estavam esbugalhados de medo, soei frio. A cadeira encostada na janela vagou e eu fui logo sentar nela, no ponto certinho de pular do trem, caso a situação demandasse esta medida.

A outra estação seria o momento decisivo de toda esta confusão. Será lá que o negão saltará do vagão onde ele está e irá para o vagão onde estou, à procura do Nico, para acertarem mais uma vez a conta. Na minha cabeça, alguém irá morrer ali e, para não sobrar um tiro para mim, eu iria pular do trem, mesmo que em movimento. Para completar, o fato de eu estar em um bairro menos privilegiado de São Paulo me aguçava ainda mais o medo.

Não parava de pensar no fato, o trem caminhava rápido, estávamos perto da estação. Nico abaixou mais ainda o boné, colocou uma mochila pesada em baixo da cadeira e esperou chegar, certamente ali estava a arma, carregada, é claro. Eu com os olhos sempre em direção a ele para ver sua reação. Olhava para a outra ponta para ver se os companheiros dele estavam tramando algo. Não, estavam lá quietinhos. Nico suava pouco e meu estado de nervo estava no pico. Pensei: “Caramba, saí da Ceilândia para morrer logo em São Paulo. Que merda!”.

Chegamos, a porta se abriu. Quase que rezando, pensava baixo: “pelo amor de qualquer coisa, Negão, não saia daí, não saia”. Nico de cabeça baixa e eu olhando para porta e rezando. Desceu um fio de suor. Nico de braços cruzado, boné baixo, sempre olhando na direção da qual poderia surgir o tal Negão. Os meus olhos soltando fumaça.

As portas se fecharam. O negão não veio e eu não tive que pular do trem. Respirei fundo, fiquei aliviado, deu até uma sensaçãozinha no meu nariz - igual àquele de quando cai água dentro dele e depois a água sai.

Nico então pegou a bolsa, que estava em baixo do banco e foi para o encontro de seus amigos que estavam na outra ponta. Não demorou muito, começou a gritaria vindo lá da frente:

-Trident é só um real, não engorda, não estraga os dentes. E dá sensação de alívio!
-Trident é só um real, não engorda, não estraga os dentes. E dá sensação de alívio!

Como assim?
Esclareço os fatos: nos trens de São Paulo, os vendedores brigam por espaço de venda. Um não pode invadir o território do outro. Nico e Pixote estavam fazendo isso, estavam invadindo o espaço de outrem, o território alheio. Desta vez, eles se deram bem; na passada, Nico levou uma sova. Briga de sacoleiros, na verdade. A mochila estava carregada, só que de guloseimas. “Nem tudo que reluz é ouro”.

Em mim, pesou o preconceito. Morando em um flat, com piscina, sauna, academia, no centro de Guarulhos, acabei por me esquecer que sou morador da Ceilândia, um lugar violento. Saí do castelo, como fez Sidartha Gautama (o Buda original) e acabei descobrindo que o meu mundo não é este, mas aquele. Caí, então, na real.Fica a lição!

Flávio Rossi

Minha foto
Ceilândia, DF, Brazil
Posso não concordar com suas palavras, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-las - Voltaire