Não. Não vou discutir aqui se o que houve foi bulling; se foi falta de atenção dos pais; se foi a sociedade quem, indiretamente, fez daquela criança mais um personagem de nossa tragédia social anunciada; se foi descaso da escola; se foi o capitalismo que, por interesses mediáticos, apresenta-nos os mais variados tipos de violência gratuita para que nós mesmos as consumamos, feito urubu na carniça. Não vou discutir se é o computador que nos afasta cada vez mais um dos outros. Não vou discutir isso. Para mim, foi algo para além da nossa compreensão; foi metafísico, mas também não entrarei nessa seara.
O fato é que aflição bateu no momento em que soube da idade do menino. E, ao saber a idade, comecei a pensar insistentemente no que levaria uma criança com esse tempo de vida, supostamente ingênua, a planejar tamanha crueldade contra alguém e, sobretudo, contra a si mesma. É estranho!
Pensando nisso, fiz força na minha memória para tentar recordar o que eu estava fazendo quando tinha 10 anos. Lembrei de vários fatos de minha infância e resolvi perguntar a amigos e colegas o que eles também faziam quando tinham essa idade. Não é mera coincidência: a todos que fiz a pergunta – o que você fazia quando tinha 10 anos? – as respostas foram praticamente as mesmas. É claro que para alguns os percalços próprios da vida os faziam desviar um pouco da rotina de outros, entretanto, no final das contas, tudo se resumia em brincar. Creio que aos 10 anos seja o auge do momento lúdico de um guri.
Fiz a pergunta a essas pessoas, umas se emocionaram ao recordar o passado, outras não se soltaram o bastante, mas mesmo assim responderam à indagação. Algumas, como disse, relembrou uma infância mais difícil, tendo algum tipo de labor próprio para adultos.
Camila lembrou-se de uma infância em que cuidava dos irmãos, mas também se divertia muito com brincadeiras típicas de meninos, adorava dançar. Beth também recordou-se de uma infância de labuta, mas com muita diversão. Brincava de casinha, com bonecas. Disse ser muito chorona quando era criança. Carol respondeu que também gostava de brincadeiras de meninos, que ficava sem camisa na rua e que “parecia um moleque”. Marília também brincava de casinha, de pique-pega. Não podia sair muito à rua, devido às ordens da mãe, que a controlava. Lídia jogava bola na rua, brincava de boneca, mas também praticava vários esportes, como natação e ginástica olímpica. Suzie falou que brincava de todos os tipos de “piques” existentes, mas também salve latinha, bate-enfinca, amarelinha, elástico, bandeirinha, acrescentou ainda que era muito boa no futsal. Sarinha falou que se divertia mais com os irmãos e com os primos, mas que gostava mesmo era de estudar. Roberto, desconfiado da pergunta, respondeu que as brincadeiras eram variadas: “eu brincava de bandeirinha, pique - esconde, bolinha de gude, polícia e ladrão, bete de pau, carrinho de rolamento, bandeirinha.” “Tempo bom”, disse ele. Paulinho jogava vídeo game, brincava de bola na rua, de todos os tipos de piques também, de bandeirinha. Clebin, teve uma infância de muitas brincadeiras: soltava pipa, brincava de bandeirinha, enfica, bolinha de gude, pique - esconde. A infância do Clebin é muito parecida com a minha.
Em comum, o fato de todos estudarem, de as brincadeiras serem fator preponderante para o condicionamento físico e, sobretudo, terem tido uma infância legal. Não por acaso alguns se emocionaram ao recordar o passado. Eram tempos sem muitas preocupações.
Creio que diante do fato acontecido devemos reabrir a discussão no sentido da necessidade do comércio de armas no Brasil. Comparo a tragédia acontecida com um garoto de 10 anos, numa escola em São Paulo, com o terrorismo acontecido também dentro de uma escola no Rio de Janeiro, em que 11 crianças acabaram mortas por um fundamentalista. Sim! São fatos diferentes, mas significativamente iguais, já que os dois crimes foram emblemáticos para a sociedade brasileira.
Não há razão para se manter um comércio de armas aqui ( a não ser pelos próprios interesses das indústrias bélicas que daqui retiram lucros exorbitantes). Somos um país pacífico e, apesar de vivermos uma guerra particular, não temos problemas com delimitação de fronteiras, não estamos em guerra com nenhuma outra nação e não somos também ameaçados em nossa soberania. Partindo desses pressupostos, para que mantemos aqui o livre comércio de armas? Para guerrear contra nós mesmos?
Sim! Para guerreamos contra nós mesmos e para que, aos 10 anos de idade, em vez de brincarmos com brinquedos e sermos felizes, passemos a brincar com armas, valendo-se do polícia e ladrão, só que à vera.